[Em janeiro, pude não trabalhar para fora para ficar apenas escrevendo, encerrada na minha torre de marfim. Essa é a segunda notícia desse processo publicada aqui na newsletter, a primeira está aqui]
1. O tempo para escrever pode se tornar facilmente tempo para lavar banheiro e cuidar de planta, para arrumar a casa ou mexer em assuntos de banco. A internet tem chamado esse processo de procrastinação e acho que essa é uma palavra péssima, usada para sufocar todo um esquema de desejos e negociações. Não é tão simples. Ao invés de olharmos para os segredos do nosso coração, a palavra procrastinação nos coloca num jogo de culpa muito perverso: você procrastina, portanto você é uma vagabunda, uma preguiçosa. Sendo honestos com nosso processo criativo, sabemos que não é assim. Existem muitos segredos e enigmas no fundo de cada adiamento.
2. Cada pessoa entra em processos de evitação com o trabalho da escrita por motivos diferentes. Eu já falei do medo na edição passada dessa newsletter. No meu caso, eu sempre busco fazer “algo mais útil do que escrever” e me perco na casa — cresci cercada de vozes que falavam sobre a inutilidade maléfica da imaginação e da literatura, é difícil se livrar disso. Hoje mesmo perdi minha escrita matinal porque precisava trocar um presente de aniversário e comprar uma peça para minha torneira que estava pingando.
3. Eu pretendo estar para a escrita no mínimo por quatro horas por dia, mas ainda não consegui. Por quatro horas no dia, eu vou estar-para-a-escrita, independente do que for que eu estiver escrevendo (estou fazendo textos paralelos, mas explico isso direitinho na próxima news). Aqui em casa, imprimimos duas folhas de ponto, e preenchemos com o horário de entrada e saída (meu marido é músico e também quer ter esse piso de horas de estudo diárias). Há um prazer em colocar a hora de entrada e saída desse trabalho, ele parece mais sério. Aliás: damos a ele a seriedade e a disciplina que ele merece e precisa. Eu me sinto assinando meu compromisso com a literatura todos os dias e isso me faz feliz
4. Enquanto trabalho, me dou conta num pavor breve que escrever um romance é muito difícil. A sensação de não conseguir me assombra, um cansaço de ver todo o trabalho que precisa ser feito. O medo de não dar conta é substituído por um perdão: está tudo bem abandonar uma escrita depois de escrevê-la. Você aprendeu muito com esse texto morto e é preciso ser grata a isso. Agora, siga para a próxima. Começar coisa nova é a coisa que você mais ama.
5. A escrita também ocorre na nossa cabeça em uma espécie de tempo negativo. Enquanto cozinho o jantar, estendo a colcha, dobro as roupas, penso no texto. No banho, penso no texto. Observando o mundo, penso no texto. Lendo livros, penso no texto. Talvez eu realmente fique fazendo outras coisas para ter tempo de pensar no texto. Mesmo quando não se está trabalhando, o trabalho criativo é onipresente, ele pode acontecer a qualquer momento e é bom estar lá para recebê-lo. Essa onipresença literária é exaustiva, o período da vida em que durmo melhor é quando estou escrevendo bastante. Sonhando, penso no texto. E já tive muitas soluções literárias através de sonhos. Assim, até mesmo dormir faz parte do processo criativo. O sono, entretanto, não se pode mensurar numa folha de ponto.
Cinematógrafo estendido. Mais sonhos!
Pqp lindo e verdadeiro demais. OBRIGADA POR ISSO AMIGA