Em meados de novembro, fiz um post no instagram falando sobre como sou fascinadas por torres, principalmente a torre de marfim, um lugar onde se vai para ficar em silêncio, estudar, pensar, rezar e escrever. Desde então tenho tentado entrar na minha torre de marfim, onde pretendo ficar até os fins de janeiro, escrevendo um livro novo (ou o que a escrita quiser me trazer). Durante esse tempo, vou fazer algumas notas. Serão publicadas aqui.
1. Uma aluna da pós da PUC onde leciono disse na aula: somos uma turma de medrosos. Realmente, é uma turma mais tímida (e não por isso menos amada, foi a turma com a qual mais sonhei dormindo) e que me ajudou muito a pensar sobre o medo da escrita. Dá medo começar o projeto que a gente mais deseja e se frustrar porque ele nunca vai ser o que foi imaginado, disse outra aluna... E no dia seguinte, Maraíza Labanca, no seu ateliê poético, disse que o único destino do livro é o fracasso, por ser tão idealizado, ele nunca sai como o sonhado, sempre diferente; mas diante do fracasso de um livro, a gente faz outro livro. Afinal, o livro segue o caminho do livro, não o que a gente quer precisamente. Às vezes acho que a gente-autora nunca tem que querer alguma coisa específica. Só fazer o que dá.
2. E você, tem medo da escrita? Pergunta meu analista. Claro que sim, respondo. Levantar um livro é muito difícil. Não quero que meu livro seja raso, quero trabalhar personagens profundos, é que sei fazer de melhor, é o que eu acredito. Eu tenho medo de fracassar e fazer um livro leviano, um livro bobo, um livro que vai deixar quem lê com raiva de ter perdido tempo. Entretanto, tenho um medo muito maior, o medo de não escrever porque estou com medo de escrever. Porque não-escrever é a morte total. Não-escrever, pra mim, é um castigo, não escrever vira a doença da angústia.
3. Levantar um livro novo: muito difícil. Eu não sei como se faz porque é um livro muito diferente de tudo que escrevi até agora e eu estava com o desejo de fazer algo diferente: aprender a escrever capítulos curtos. Meu medo: na curteza, ficar sem espaço para desenvolver os personagens de forma irresvalável. Levantar um livro, erguer um prédio: antes cavar para fazer o fundamento.
4. Percebo, de repente, que todos os começos são assim: a sensação de que o novo livro é muito diferente do que tudo que eu escrevi agora e eu preciso aprender uma nova linguagem. Inventar, forjar, adquirir uma nova linguagem. Como quem aprende em solidão uma língua estrangeira estando em terras desconhecidas, sem professor.
5. Enquanto escrevo, leio. Um editor muito simpático, personagem do livro A polícia da memória da Yoko Ogawa, diz para a narradora, que é uma escritora: "Nada de escrever com a cabeça, hein! Tem que escrever com a mão!". Vou à Kalunga e compro papel pautado amarelo e canetas hidrográficas azuis, verdes, pretas, de ponta fina, das que fluem ao mínimo toque no papel. Escrevo com prazer, escrevo no mínimo uma página por dia, ainda com medo dessa história ser boba e morrer. Tenho medo de perder meu tempo. Ao menos, terei aprendido uma nova língua.
6.Há outros medos na escrita: de que ela revele uma verdade insuportável sobre nós mesmos. Que ela revele o monstro que somos. Que ela revele a nossa incompetência. Que, ao escrever, jamais sejamos incapazes de escrever de novo, como se a escrita pudesse ser gasta por excesso de uso. Há outras fantasias: o medo de ofender alguém com nossa escrita (a história que escrevo agora foi roubada da vida de outra pessoa, uma história que chegou a mim através de terceiros), o medo de ofender uma classe, uma população com nossa escrita. O medo do ridículo. O medo da escrita sair do controle, se tornar autônoma (esse também é um desejo). O medo de terminar de escrever o livro e viver o luto da perda de uma história, que deixa de ser nossa e vai para quem quiser ler. O medo de enjoar da escrita.
7.Ao fim do semestre, digo à turma: sim, vocês tem algum medo. Não é o medo da morte, mas o medo com excitação, existente no encontro amoroso, a ousadia da nova paixão. É o medo que também sinto. Mesmo que não sejamos correspondidos por nosso amante, o amor é todo nosso.
pelo amor de deus, Laura. Eu quero copiar as palavras desse texto na parede da minha casa.
dona laura sempre certeira! sua torre de marfim não é isolada, é o olhar pra dentro do papel pra se conectar com mais e mais leitores! que sorte a minha ser um deles!