Outro dia, fiz uma coisa muito mal-educada. Pressionei, publicamente, uma amiga a fazer o lançamento presencial do livro dela, que tinha saído na pandemia. Ela disse que não, que é tímida que acha chato fazer lançamento de livro. Falei a ela: sou uma advogada da literatura, você precisa lançar seu livro! Ela brincou: me processa, Laura! A amiga em questão é a Eliza Caetano, uma poeta incrível, e eu agora peço desculpas publicamente pela minha insistência. Te amo, Elaiza, e amo sua poesia. Fui bem babaca. Na verdade, eu mesma me sinto tentada a não fazer o lançamento dos livros que eu escrevo e fazer lançamentos em que eu não me sinta tão mal, tão autora-objeto.
Acho, acima de tudo, que uma pessoa que escreve deve promover a própria escrita, mas penso que a gente não pode passar de certos limites pessoais. Tive febre ou piriri em todos os meus lançamentos de livro em Belo Horizonte, odiei estar exposta e ser colocada como uma espécie de objeto ali na frente de todo mundo. Entendo que o erro dos lançamentos de livro é colocar o autor no centro, e não o livro: estamos ali para celebrar o livro, como autora, prefiro o meu aniversário. Claro que eu amo ver meus amigos, conhecer pessoas, beber, festejar, abraçar, mas detesto com todas as forças a fila que se forma, com gente esperando que eu assine os livros: sinto que as pessoas estão enfrentando um incômodo por minha causa. E todo o ritual das assinaturas pode ser bem constrangedor porque é difícil falar e escrever ao mesmo tempo. Às vezes, a gente até esquece o nome das pessoas, e é horrível. Digo: se isso te acontecer, cara leitora, tá tudo bem.
Já passei por muitas situações constrangedoras em lançamentos. Receber aquele amigo de longa data que você ama, e diante da suposta importância do lançamento de livros, esse amigo tem um surto de timidez, mal consegue conversar com você. Já ouvi muita grosseria também, críticas disfarçadas de elogios, quando uma pessoa disse “sabia que você ia dar certo!”. Ou uma pessoa meio alcoolizada, que não tem intimidade com você, e fica falando da própria escrita — já passei por uma que disse sem parar que queria que eu conhecesse a escrita dela, insistentemente. Ou aquele sujeito que assediou sua amiga, todo pimpão, vindo com um livrinho para você assinar e você não sabe se desce a porrada nele, se dispensa ou se assina e pronto (ao mesmo tempo, fazer um barraco pode ser péssimo para todo mundo).
Amigos que lançam livros passaram por situações parecidas, como quando uma estava se levantando para ir almoçar, depois de quatro horas assinando livros, e chega uma pessoa super mala, que aluga, que fala sem parar. Essa pessoa normalmente diz críticas disfarçadas de elogios, ou elogia a si mesma pela obra de outra pessoa, como se ela tivesse uma grande participação. São situações de violência, em que algumas pessoas acham que podem fazer o que querem com você e isso não é legal, nem preciso dizer, né?
Entretanto, o pior aspecto na hora de lançar o livro é estar lá, com o livro editado, e já estar escrevendo ou ter escrito outro livro. Um livro novo, delicioso, enquanto aquele livro ali, com cheiro de novo, na verdade é uma história velha para mim, cuja diversão já se acabou, e eu estou cheia de críticas a ele. Às vezes: cheia de saudade da história escrita, que não volta mais, porque eu jamais releio os livros que publiquei. Um professor de desenho sempre se dizia mal quando desmontava exposições: dizia que era como mexer com cadáver. O livro publicado às vezes também parece um morto. Quando para o leitor a história é nova e fresca, para mim às vezes é objeto de luto.
O trabalho de quem escreve, por outro lado, não é apenas o de escrever: acredito que a gente realmente tem que divulgar nosso trabalho, porque ele não é só nosso, ele também é de uma editora e do público. Sobretudo, a gente tem o direito e o dever de divulgar nossos próprios livros. Uma vez, a Flávia Péret disse a mim que eu jamais posso ser crítica do meu próprio livro, atuar com uma modéstia diante da escrita: nós, mulheres que escrevemos, devemos ser um exemplo para outras mulheres que escrevem, que começam a escrever, que querem publicar.
Fico pensando em saídas para uma timidez na hora do lançamento. Não gosto muito de pseudônimos, do anonimato, apesar de ser uma grande admiradora de escritoras escondidas, como Elena Ferrante e Teresa Veiga: elas acharam essas saídas, vendem muitos livros, mas o que fazer quando a pessoa é uma escritora iniciante de BH e não quer ser colocada no centro? Comecei a escrever esse texto porque estava lendo As margens e o ditado da Ferrante, um livro de conferências que ela escreveu e que uma atriz foi convidada a ler para o público, como se fosse ela. Para meus próximos lançamentos, estou bolando algumas coisas novas, como um recital com músicas do livro, uma vez que sempre escrevo sobre música. Estar entre os amigos que vão fazer esse recital, de alguma forma, vai me dar coragem, vai me fazer com que eu não me sinta objeto, mas sujeito da minha escrita, e de que ela deve ser, sobretudo, partilhada.
Gostei muito dessa localização "sentir-se objeto". Nunca lidei com fila de autógrafos ou coisa assim, mas lido com uma dificuldade de bancar e divulgar meu livro que me faz pensar muito. Ajudou poder ler sobre essa parte do "corre" da literatura e disso que pouco se fala de uma certa contradição de afetos quando enfim damos um passo importante, como o de conseguir ser publicada.