Começo essa edição da Newsletter sem saber muito o que escrever, mas com um desejo imenso de dizer o que eu estou pensando. Estou ansiosa, dormi mal, não dou conta de comer direito, mas é por algo que é bom: meu Caruncho e a Impressões de Minas, sua editora, ganharam o prêmio da Academia Mineira de Letras e a premiação é amanhã. Sempre fico sem saber o que fazer antes desses eventos, há um mínimo que faço: por sorte vou ter que trabalhar bastante e me distrair (mas não posso trabalhar demais), já fiz exercício físico para controlar a ansiedade, depois vou preparar aula, escrever, fazer massagem. Em vez de fazer o que a Beatriz França, a assessora, me mandou, estou aqui, enrolando, escrevendo para tentar digerir um pouco esses eventos (e também para convidar vocês para a premiação + bate-papo conosco).
Sexta-feira passada eu já fiz uma coisa muito difícil: fui à Faculdade de Letras da UFMG, um lugar de muitas alegrias e de muitos traumas, e li um poema ensaio chamado Quem pode escrever? Ele é uma espécie de manifesto por uma escrita para quem deseja a escrita, onde todo mundo também pode contar com as maravilhas da edição. Se eu não tivesse sido convidada pelo SPLIT, evento lindo e diverso, eu não teria escrito esse texto que passa a limpo várias censuras que a faculdade de letras impõe a pessoas que escrevem. Eu queria a liberdade, tive toda a oportunidade e alegria de partilhar isso com as pessoas. Foi uma leitura performática, dirigida pela Malu Grossi Maia e eu quero repeti-la algumas vezes ainda, e publicar o ensaio.
Entretanto, participar desse evento me deixou completamente exausta. Fiquei dois dias em casa depois, me arrastando, e agora estou aqui com dor de estômago. Tive agora uma conversa com a Beatriz falando sobre minha dificuldade com a exposição, que não é uma timidez, mas um pânico de estar na frente de todo mundo, um pânico de falar merda (falo muita merda), um pânico de aparecer. Como o pânico, ele é sem raiz, ele é inexplicável. Eu me lembro de algumas vozes que aparecem enquanto uma mulher cresce: as vozes que dizem - você é aparecida! Para de show! Beatriz disse que não imaginava que eu passava por isso e eu respondi: escritor escreve muitas vezes porque não está a fim de aparecer. É o meu caso.
Escrever é a minha coragem, é a minha liberdade. Aos quinze anos, fiz um pacto comigo mesma: escrever é a coisa mais importante da minha vida. Publicar, ganhar prêmios, ir a eventos literários: nada disso estava incluído nessa promessa, e eu me surpreendi genuinamente ao perceber que eu teria que fazer essas coisas também, que é uma parte significativa do trabalho de quem escreve. Acho importante que façamos essas coisas, que estejamos por aí, apesar de respeitar e entender quem prefere ficar em isolamento. Acho que escritor tem que ser cadelinha dos jornalistas e dos assessores, mas isso tem um custo emocional muito grande para mim e muito pouco prazer.
Quando estou prestes a passar por um momento de exposição (lançamento de livro, palestra), eu fico assistindo e lendo coisas sobre pessoas que fizeram coisas radicais. Por exemplo: leio Tamara Klink e vejo seu documentário sobre sua travessia do atlântico aos 24 anos, tornando-se a brasileira mais jovem a fazer o percurso sozinha; vejo o documentário The artist is present da Marina Abramovic, em que ela passava todo o tempo de abertura de um museu sentada, oferecendo seu olhar para as pessoas, entre outras performances radicais para o corpo. Sempre recorro a essas mulheres fortes quando estou prestes a fazer uma coisa difícil para mim, uso o choro delas para chorar também. Para me fortalecer com as saídas que elas acharam.
Beatriz França, além de uma tremenda assessora, é atriz e hoje falou comigo que passa pela mesma coisa, diz ser péssima em falar em público, que é tímida (me desculpa por te expor, mas preciso te usar nesse livro). Quando Beatriz França começou a me assessorar na AML, eu sabia que reconhecia a cara dela de algum lugar; perguntei se ela tinha feito um solo quando estava grávida no La Movida, e sim, era ela. Beatriz França fez um solo inesquecível em que ela, de calcinha e sutiã, com uma barriga grávida, falava sobre a espera de um filho, sobre o medo do parto, sobre esses perigos. Vi a peça algumas vezes e chorei em todas, me deliciando com um momento específico: em que ela diz que quando for a hora dela parir, ela vai chorar sim, que ela vai gritar, que ninguém vai fazer com que ela ficasse em silêncio. Que ela ia parir nos seus próprios termos. Essa fala me libertou e me liberta todos os dias até hoje. Busco fazer todo o meu trabalho nos meus próprios termos, tem sido uma luta, e assim espero ir para a AML amanhã, com vocês.
Quando saiu o Caruncho, eu me lembro de dizer para a Elza Silveira, que fez o projeto: esse livro tem que ganhar um prêmio de design. O incrível desse prêmio da AML é que ele premia autora & editora, entendendo que o livro não é apenas o texto, mas um objeto com muitos trabalhadores. Estar ali recebendo esse prêmio em conjunto é um privilégio sem fim. Além de tudo, o pessoal da AML me deixou ter o prazer de ligar para a Elza e o Wallison, que estavam no Recife, e dizer para eles que tínhamos sido premiados. Nós, eu e esses editores que me apoiam desde quando eu tinha 22 anos e não sabia nada da vida. Meus desejos foram realizados acima da média aqui e espero estar pronta para toda essa alegria amanhã. Espero me divertir com vocês.
É um evento aberto (pelo amor, não me deixem sozinha), 19h30 na AML, na Rua da Bahia, 1466. Pode vir, depois a gente toma uma cerveja na Cantina do Lucas! Caruncho estará à venda. Agora vou ali lavar minha cara, passar um batom e fazer o vídeo que a Bia me mandou fazer.